Resquícios do ar
Esta é uma carta para mim, sobre a minha errância. Não vai ser uma pedrada em nenhum charco, mas vai ser uma partilha contigo que estás desse lado.
Passei mais de 3.000.000 de minutos longe do meu centro. Passei mais de 500.000 quilómetros no ar à procura de mim. Conheci gente de todas as cores, feições e culturas, muitos dos quais guardo em boa memória. Molhei os meus pés nas águas do Pacífico, Índico, Atlântico norte e sul. Comi cobra, tartaruga e crocodilo, cada um num dos cantos do mundo. Trouxe comigo na bagagem o aroma do cravinho a secar em toldos na ilha de Sainte Marie enquanto eu passava de bicicleta, o calor das areias vulcânicas de Kagoshima enquanto o sol se punha, a tranquilidade de pescar peixes num riacho em Yangshuo e o nervoso miudinho de fazer asa delta ao sol em São Conrado enquanto muitos, em terra, o gozavam estirados na areia da praia.
E agora? Voltei, apesar de ainda assim não ter visto tudo.
Voltei para o país que muitos dizem não ser meu por não ter nascido cá ou por ter vivido mais tempo noutros do que neste. Voltei para o país que supostamente se lamenta há 500 anos e que – dizem – tantas dificuldades tem e obstáculos põe a quem cá vive.
Enfim, por ter passado por alguns sítios sei que isso nada tem a ver com mesquinhez ou pequenez do nosso povo e muito menos com traços de uma cultura menor das quais muitos concidadãos acusam os seus vizinhos sem mudar nada em si mesmos. Por isso já dei comigo em plena rua ou nos transportes públicos com um sorriso estampado na cara tentando inconscientemente transmitir o meu ânimo e alegria aos que me rodeiam. Até agora não encontrei alguém que retornasse esse gesto – talvez esteja cego.
Voltei para continuar a vida, a minha e a dos meus, não com a cabeça no ar (o que aliás acho que nunca fiz), mas com os pés bem assentes em terra. Quero passar a estar presente, e não ausente. Deixar de ser aquele que está longe e com o qual já não se conta.
É agora? Não sei. O tempo o dirá, mas para já sublinhe-se a tentativa.
Mas é agora o quê? Isso eu sei, acho eu, mas não sei se vou conseguir que seja verdade. Mas não há pressa, não há pressão. O tempo tem sempre razão. Vivamos por isso o dia como ele é e como vem, tendo no entanto o futuro na mão e não ao acaso, dando-lhe a direcção que se quer e não a que se nos impõe. Haja confiança!
1 Comments:
Apenas te posso dar as boas-vindas a casa (e eu acredito que a nossa casa é, de facto, onde temos o nosso coração e a nossa alma) e acredito que sim, conseguirás estar presente, muito presente. Para começar acho que já recuperámos muito do tempo perdido em frente a um computador, a falar com muitos (demasiados) quilómetros entre nós... E um bem hajas pelo pato, com ou sem laranja ;)
Bom Natal, meu amigo.
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