Resquícios do limite
Ora finalmente mais uma carta, mais um resquício. Desta vez sobre o limite – aquele que não conhecemos e que às vezes nem queremos conhecer.
As últimas 30 semanas da minha vida ultrapassaram-me a uma velocidade arrepiante. Ainda nem tive tempo de identificar os estragos que a ventania dessa passagem causou. Pior, ainda nem tive vontade, quanto mais compô-los. Nem consegui captar com nitidez nenhuma das imagens, sensações, emoções que passaram por mim nesse espaço de tempo. Fazê-lo teria requerido um esforço demasiado grande e que me teria levado ao limite das minhas forças. Terão sido alucinações, miragens, sonhos causados pelas temperaturas extremas pelas quais passei? No limite, digo-me, o tal limite das minhas forças, volto atrás. Sei perfeitamente que isso é completamente impossível e que nem sequer quero voltar atrás. Não quero reviver algumas dessas coisas que passaram por mim, por muito boas que tenham sido. Das más obviamente que nem se fala. É melhor deixá-las ir todas, que nem areia à força do vento e do calor do deserto.
Em conversa com um colega e amigo sobre os desenvolvimentos pessoais de cada um e próximos passos que se vislumbram no futuro não muito longínquo, coloquei-lhe a questão se ele sabia o que queria. Mais que isso se sabia quanto está disposto a ceder para o obter. Acho que isto é das coisas mais difíceis da nossa existência. Se uma pessoa nem se dá conta do tempo a passar, como pode activamente influenciar o rumo do seu percurso. Isso implica um estado de consciência e lucidez constante. O tal esforço, digo eu.
Acho que depois disto tudo preciso mas é de purificar um pouco a mente. Fazer um reboot e desligar completamente do mundo, por muito pouco tempo que seja. Aceito qualquer desculpa para não ligar ao que devo. Deixo passar o tempo e tento soltar a corda da já esticada paciência. Na água gelada, ao sol da praia, na varanda ajardinada. Preciso de mais. Não posso. A realidade chama-me: há prazos, há limites.
Aí estou de novo à frente da picareta a tentar abrir a vala que dirigirá a água ao seu bom porto. Como em tudo, temos de semear cedo, regar com preceito, para mais tarde colher os frutos. Mas hoje, pior que noutros dias, espremo a mente e não sai nada. Sinto-me vazio. Estou esgotado.
Ponho tudo de parte. De novo e mais uma vez. Mais uma desculpa, mais um desafio. Até quando e até onde posso levar esta indecisão? Já o vivi antes. Já sei que daqui a uns dias me dá uma fúria e solta-se a barragem das ideias pelo virgem papel virtual. Ainda bem.
Mas quem me dera que erguer os muros da vida fosse tão simples. Todos os dias ergo mais um tijolo, mas raramente tiro o tempo para olhar a obra no seu todo. Fazê-lo em jeito de autocrítica reconstrutiva. Talvez me aperceberia que afinal a obra não está a sair um muro alinhado, mas um poço no qual vou cair e me afundar. Melhor, um labirinto sem saída. Talvez pudesse corrigir a construção antes que ela se desmorone por completo. Preciso urgentemente desse tempo para refazer o que quer que esteja a construir. Preciso desse tempo para me refazer de novo. Um reboot a sério, reformatar o disco. Enquanto espero, um passa e o outro aproxima-se; ambos com uma coisa em comum: a alta velocidade. Espero não me arrepender.
Voltando atrás (se o puder, bem sei) será que eu sei o que quero da vida? Em vez de o perguntar aos outros devia perguntá-lo a mim. Sei que tenho o hábito de questionar os que me rodeiam, perdoem-me por isso por favor. Repito para mim mesmo: afinal sabes o que queres? Se sim, o que duvido, quanto estarás disponível a ceder para o conseguir? Na verdade não o sabes, oh tu que estás dentro de mim e que teimas em não te ouvir. Desespero. Como me posso autorizar a dar conselhos sobre o que quer que seja a quem quer que seja se nem a mim me consigo endireitar!? Felizmente que não misturo as coisas: cognac para um lado, whiskey para outro. Terrivelmente acho que é o que os políticos, classe em queda, fazem independentemente do lado do poder em que se enconrtram. Serei eu um político? Credo – que horror. Rewind, rápido: toca a randomisar ideias. Mais vale baralhado do que certo de uma coisa disparatada. Ou assim: mais vale baralhado do que certo de uma coisa disparatada? Votem no que vos apetecer; eu acho que já não tenho cura. As minhas costas que o digam: incuravelmente tortas.
O limite aproximou-se mais um bocadinho. Que faço? Devo cumprimentá-lo envergonhadamente? Devo saltar do sítio desviando-me engenhosamente dele? Devo enfrentá-lo corajosamente, venha o que vier? Caramba, porque não me avisaram que isto ia ser tão difícil!? E porque não me vens dar um empurrão seja lá em que direcção for? Pudera, ainda não te encontrei: como poderias tu ajudar-me. Mas no limite, lá estarás.
5 Comments:
Por razões óbvias, voto no randomisar, no todo baralhado e no tudo baralhado.
E encontro aqui, neste resquício, o espelho mais nítido da pessoa que realmente és, mesmo que lá fora, no mundo real, não o mostres muitas vezes e o deixes mais vezes escondido do que o deverias fazer. És criterioso, cauteloso, prudente, escolhes as palavras depois de muita reflexão. Se utilizas esse sentido de ponderação em demasia ou não, não serei eu a melhor pessoa para o afirmar.
Penso que, às vezes, deverias deixar as coisas acontecerem por si mesmas, de forma natural, como as ondas de um mar gelado que nos aquece no nosso interio, sob os céus radiosos de um sol que nos cega. Apenas ser, sem pensar, sem reflectir, actividade demasiadamente sobrevalorizada. Ou, se quisesse ser mais panfletário, just do it.
Abraço.
Para ser grande, sê inteiro:
nada teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és no mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda brilha,
Porque alta vive.
Ricardo Reis, Odes
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
José Régio
obrigado pelo post, mas quem é "you know who"?
então por onde andas? eu fechada em casa com miudo com varicela::.fartinha e neurotica, vai dando noticias!! e ve lá se escreves um post novo e mais animado!!!! nunca te arrependas das escolhas, ainda estás na idade de as poderes fazer:)))
beijo sónia
Tão bem que te entendi...as escolhas..
lembrei-me agora,de um sábio ditado popular, ' se eu tivesse 18 anos e soubesse o que sei hoje'...xii,olha que eu mudava algumas coisa,mudava mesmo!
Beijinho
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