sábado, março 01, 2008

Resquício das descobertas

Este resquício é para aqueles que nos levaram a todo o mundo, que tornaram a nossa nação conhecida em tempos sem telefones, Internet, sms e afins. Um agradecimento pelo que hoje somos e temos deles. Um voto de coragem aos que hoje espalham a mensagem da nossa cultura pelas quintas.

Permitam-me o uso de uma frase comercial de uma das nossas empresas: Há coisas fantásticas, há. E a cada dia me alegro por descobrir umas mais.

Há poucos dias, a minha querida Maria disse-me que eu reparo em tudo: em coisas pequenas que poucas pessoas vêem ao passar numa vulgar rua, em expressões ditas por transeuntes e imagens vistas por pequenos segundos mas de que mais tarde me recordo com toda a nitidez. Não contestei.

Aconteceu de novo terça-feira passada: vinha a ser conduzido de carro, a alta velocidade, pelas ruas congestionadas de Kiev e com os pensamentos muito longe daqui, quando vejo ao fundo um painel vermelho iluminado com “Vasko da Gama” em pequeno destaque.

Não descansei enquanto não fui ver de que se tratava. Achei estranho, porque não estava nada à espera de ver referências lusas neste país do leste europeu. E afinal, é uma travel company (que curiosamente só abre duas vezes por semana).

Como quem come amendoins, esta descoberta levou às memórias de semelhantes feitas noutros sítios. E atrás de uma seguiu-se outra. Não me refiro a pessoas, mas a factos, objectos, vivências que com a lusitanidade muito têm a ver e que abatem a saudade tão tradicional pelo nosso rectângulo. Não me refiro às coisas banais e expectáveis nos destinos tradicionais da diáspora portuguesa, mas a coisas em sítios muito insólitos.

É conhecida a minha intensa vida de viajante, pelo que a lista já vai longa:

  • Usuqui, uma aldeia perdida algures na ilha de Kyushu, Japão, 2000: ia a pé na noite molhada a caminho do cais do barco que me havia de levar para Shikoku, outra ilha, e vejo uma pedra negra ao ar livre com uma assinatura do Mário Soares. Um monumento colocado para uma viagem do dito senhor, em 1993. E assim se celebram os 450 anos da chegada dos nossos (os primeiros do “ocidente”) ao Japão.
  • Estação de metro de Nihombashi em Tóquio, Japão, 2000: um painel em mármore representando caravelas, ao lado do nosso escudo português, a caminho do Japão, suponho que colocado pela mesma ocasião.
  • Yangshuo, Guilin, China, 2000: passeio por arrozais e encontro uns rapazes chineses a pescar que, ao saberem de onde sou, fazem logo referência ao nosso Figo, pelos vistos um dos preferidos lá do sítio.
  • Seoul, Coreia do Sul, 2002: em viagem de lazer, é-me dado um delicioso pastel de nata.
    Abu Dhabi, Emirados Árabes Unidos, 2003: acabo de chegar ao hotel para mais uma viagem de trabalho, cansado do vôo nocturno nem reparo na grandiosidade da coisa com dourados e brilhantes por todo o lado, mas oiço uma coisa interessante em pano de fundo. Oiço melhor: Madredeus como música ambiente.
  • A caminho da aldeia do Chute de la Lilly, algures em Madagáscar, 2004: ía com a minha equipa de amigos jogadores de rugby defrontar outra equipa dessa aldeia. A viagem ainda demorou, mas a conversa com os amigos permitiu passá-la rapidamente. Ia olhando pela janela a reparar nas paisagens, aldeias, pessoas, artefactos. No meio disto tudo um pequeno altar, nele uma estátua de Nossa Senhora de Fátima.
  • George Town, Ilhas Caimão, 2006: mais uma viagem de trabalho com o habitual stress diário do hotel-escritório-hotel. No meio disto tudo, passamos num edifício que ostenta à entrada uma grande placa Banco Comercial Português.
  • Paramaribo, Suriname, 2006: faço preparativos para mais umas sessões de trabalho nesta ex-colónia holandesa e troco impressões com o meu interlocutor do cliente. O seu apelido: Carrilho. Estranho. Mas mais estranho foi voar num avião comandado pelo Capitão Miranda. Ambos cidadãos do e nascidos no dito país.
  • Kuwait City, Kuwait, 2007: desta vez sou eu a conduzir o carro entre o hotel e o escritório. Está um calor e sol abrasador. A diferença horária e o trabalho intenso não me permitiu estar ao corrente das novidades de casa. Não percebi porque haveria de haver cartazes com a bandeira portuguesa espalhados pela cidade. Afinal vinha a nossa selecção jogar contra o Al Salmiya. E pelo mar de cor azul e branco existente nas bancadas, eu sentia-me o único português ali.
  • Honolulu, Hawaii, Estados Unidos da América, 2007: estou em trabalho perdido no meio do pacífico. Fui jantar a um restaurante qualquer e peço um prato de peixe. Enquanto me viro para o empregado, reparo na placa com o nome: da Silva. Mais um, pensava eu, e meti conversa. Afinal era mais um nascido e criado ali, tal como os seus pais e avós e bisavós. Os pais destes últimos é que viajaram pelo atlântico, atravessaram o continente americano e meio pacífico para se instalarem ali.

E agora, esta placa Vasko da Gama na Ucrânia.

Gosto de viajar. Gosto de descobrir culturas novas, povos e sabores, embora me custe cada vez mais despedir-me de quem fica e da distância que se cria. Mas estas pequenas memórias alegram-me e fazem-me sentir as raízes de onde venho. Do que sou. Para onde volto sempre. Somos poucos, mas chegámos e chegamos a todo o lado. Haja vontade, e meios de lá chegar.

3 Comments:

At 10:49 da tarde, Blogger Nuno Guronsan said...

Lá pelo meio do espaço, também há umas quantas lembranças deste género, ou não fosse também eu um viajante "acidental"...

Abracete.

 
At 2:05 da manhã, Blogger RC said...

Portugal aos caídos pelo Mundo.

Xi.

 
At 10:26 da tarde, Blogger Coral said...

É bom lembrar que a sua nação se impôs a outras civilizações e à custa de muito sangue. Falo do Brasil, como nativa daqui, e daria tudo para ter no meu sangue apenas o gene dos meus antepassados indígenas, sem estar miscigenada com o sangue lusitano. Mas não posso mudar a história do mundo, o jeito é me resignar e tentar entender a cultura de todos os meus antepassados, sejam eles americanos, europeus ou africanos (segundo meu avô paterno, sou uma síntese dos três. e se considerarmos a teoria de que os americanos são asiáticos que migraram pra cá, pelo estreito de Bering, então sou uma pessoa bem globalizada). O triste é que, mesmo morando no Brasil, é mais fácil obter informações sobre os lusitanos que sobre os indígenas americanos. E eu queria lembrá-lo de que a história com a qual eu tento me resignar está mais para drama do que para romance. Uma guerra se travou entre portugueses e indíos, houve muito assassinato e estupro...

 

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