sexta-feira, junho 30, 2006

Resquícios do Nada

Esta é uma carta a um amigo invisível, sem nome, se calhar sem existência. É uma carta sobre mim, sobre ti, sobre talvez todos que pensem um pouco sobre a sua direcção na vida.
Amigo, para onde vai a tua viagem que segues com tanto fulgor a tão elevada velocidade? Para onde te leva esse caminho que não tem indicações visíveis de destino? Vislumbras algo nessa vastidão de vivências, emoções e seres que se assemelha a um mínimo daquilo que procuras? Se calhar o problema é mesmo esse: andas sem rumo e nem tens ninguém que te guie; és membro de uma geração que foi apelidada injustamente de rasca, resultado da produção em massa que viveste num país que disso mesmo precisava para sair do seu marasmo mas que hoje acusa a falta da resposta à pergunta que não sabes formular. Quem és tu, afinal? Hoje és um bom exemplo do que um jovem pode ser: puseste as tuas capacidades à prova e venceste diversos desafios pessoais e profissionais, mas és o primeiro a falar da tua tristeza, da tua solidão, do algo que te falta sem saberes o que é. E não és o único, embora isso não te sirva de grande consolo.

Ou será que me engano e tudo o que tens e fizeste até hoje segue uma linha de escolhas conscientes? Então porque te queixas constantemente? Ou andas a tentar esconder o sol com a peneira, fazendo de conta que tudo está bem para ti mas no fundo sentes as dores das respostas não obtidas lá bem no fundo da tua alma.

Confesso que não te percebo. Pior que isso, confesso que nem me percebo a mim mesmo pois eu também ainda estou e estarei muito tempo à procura do meu lugar neste espaço da Terra que de cinzento nada tem.

“Quo vadis” já se perguntou há muito tempo atrás e é isso no fundo que te/me/nos pergunto. Acho que todas as pessoas passam por isso mais cedo ou mais tarde, mas ninguém nos livra do cálice de respondermos essa pergunta nós mesmos. Acho que é isso que torna a vida tão bonita, principalmente quando conscientemente nos damos conta que estamos a crescer e podemos influenciar o rumo das nossas vidas. A não ser que nem as coloquemos em questão e a vivamos como ela vier... o que é uma solução tão legítima quanto outra qualquer.

Ainda assim agradeço-te pela tua existência, meu amigo invisível, pois tens-me apoiado durante as minhas angústias. Tens-me ajudado a questionar-me, ajudado a colocar a minha vida em perspectiva, a permitir que eu próprio me tente definir. Espero que tenha conseguido retribuir à mesma altura. Só te peço uma coisa: não me acuses de pensar demasiado. É isso que tem ocupado as poucas células cinzentas que me restam durante os últimos meses (ou terão sido anos?).

Enfim, no fundo as minhas preocupações são resquícios do nada pois eu e tu e todos nós somos talvez apenas uma ínfima parte de um todo que talvez não conhecemos ou compreendemos mas que certamente não controlamos. Há quem veja nisso justificativo suficiente para acreditar numa religião qualquer. Há quem não acredite de todo nessa construção global e que afirme que cada um é para si o centro do seu universo. Pontos de vista...

E agora, já sabes para onde te leva a tua viagem?