quarta-feira, novembro 14, 2007

Resquícios da escolha

Mais um texto, como em tantos outros, onde reconheço o já eterno e tradicional viciosismo circular. Argumentos sempre complementares e redundantes, tentando não deixar pontas por arrematar. Curioso é que no seu processo construtivo fui interrompido por um colega que me perguntou: tens um blog? Perguntei em jeito de resposta: sim, mas isso faz com que seja uma pessoa melhor?

Cherry picking. Escolher cerejas, amoras ou outra coisa qualquer. Escolher. No fundo é disso que se trata. Sempre. Escolher ou ser escolhido. Um vício (ou uma obrigação) a que somos habituados desde pequenos, porque crescemos num mundo de opções. E só assim podemos escolher, nem que seja entre uma amora preta e uma vermelha. Mas com base em quê? Que critérios orientam cada escolha. Que peso tem cada um dos critérios? Que vai acontecer se optarmos por não escolher?

Tenho tentado observar cautelosamente o mundo com o intuito de perceber algumas escolhas que foram feitas. Por mim, por próximos, por estranhos, por dirigentes. Amores, guerras, locais, arquitecturas, cores, sabores, penteados, piercings, tatuagens. Claro que não percebo nada e na verdade cada vez percebo menos: consigo alcançar talvez 1% do que me rodeia, e desse talvez perceber a razão de ser de outro 1%. Um minúsculo grão de areia. Mas não tenho a ambição de aumentar esse montante: bastar-me-ia perceber-me a mim próprio e saber porque escolho o que escolho. Aumentar o conhecimento, sim é fundamental, mas não querer ser ganancioso ao ponto de ter opinião formada e fundamentada sobre tudo e todos. Dêem-me a liberdade – e a escolha – de votar em branco quando nenhuma das opções me agrada ou convence.

Acho que o problema aumenta quando há só uma amora vermelha no cesto das amoras pretas, e toda a gente se interessa apenas pela primeira. Numa economia livre o mercado regularia a coisa, mas como toda a ciência económica está baseada em hipóteses e pressupostos, também não existe tal coisa como mercado completamente livre e muito menos informação perfeita e acessível a todos. Ainda bem, porque afinal os recursos são por inerência escassos; havendo liberdade total entraríamos num ciclo darwiniano em que só os mais capazes poderiam sobreviver. O que nos traz de novo ao problema da escolha.

Precisamos de opções: só a diversidade cria o mundo em que vivemos. E tu, qual foi o contributo que deste hoje para melhorar o mundo? Que opção criaste para ti e demais que melhorasse a vida de todos?

Pensei nisto há dias e dei por mim a chorar. A chorar seriamente, não porque não conseguia responder esta pergunta sobre mim próprio, mas por não perceber escolhas feitas por outras pessoas. Pessoas que pela sua proximidade até deviam servir de exemplo e no fundo às vezes só me mostram que não se deve escolher algo só porque sim. Mas também não passar a vida a pensar e a ponderar nos critérios da escolha. Às vezes há que arriscar (o que eles fizeram, e bem) e assumir erros. Mas sem fugir deles.

Acho que me fez bem sentir as lágrimas a cair pela face. Estava só, algures no mundo, e precisava deste abanão de emoção.

Em cada vez mais momentos me apercebo da minha mortalidade o que acaba por afectar muitas das minhas escolhas. Pelo menos assim gostaria que fosse. Se o tempo fosse ilimitado, poderia muito bem escolher nada escolher porque poderia experimentar mais tarde do que no momento abdiquei. Mas não é, e ainda bem que é assim. Portanto cada escolha acaba por influenciar o resto da vida, queiramos ou não fazê-la, façamo-la de forma consciente ou não. Seremos sempre obrigados a escolher algo e não nos podemos alhear de viver construtivamente uns com os outros. Não devíamos aceitar o facilitismo eterno da não-escolha, se não nunca sairemos da pasmaceira em que às vezes nos deixamos cair.

Haja vida, e lágrimas amargas para nos recordar disso.