segunda-feira, fevereiro 02, 2009

Resquícios do debate

Leu isto e pensou: que interessante, há aqui uma curiosa troca de papéis em que o alegre vivaz se tornou soturno, e o crónico pensante se transforma em fonte de optimismo. Haverá algo de delirante no ar para além da chuva infindável? Mas porquê: toda a gota de chuva é apenas e só uma lágrima de cada raio solar (ah, viva a poesia barata!). A escuridão daquele texto tem de ser rebatida por algo mais que palavra solta, talvez um sabre de luz ajude. Que a força esteja connosco!



Falava de vermes, cadáveres e de quão imprestável está o nosso mundo. Um debate cinzento com não-vivos a invadir um espaço que normalmente está repleto de coisa alegre entremeada por rasgos de gargalhada. Será que no seu interior já começou a apodrecer, tal como os corpos putrefactos de que fala, só porque viu uma frase de poesia de rua? Como é possível não gostar de um dia de chuva em que o frio obriga a ficar enrolado no cobertor a ler um jornal, livro ou blogue? Ou até mesmo ficar agarrado ao trabalho, seja ele de que natureza for? Está louco, só pode, louco de amores por um sorriso que o cega e que não lhe permite ver a luz que faz por entre as vidraças molhadas.

Pelo meio parece que ainda há desafios que metem beleza com ranho. Ui, que coisa linda que isto vai dar, já se vê que isto vai degenerar num concurso da melhor frase de poesia de rua do ano. Imitemos o “Festival RTP: Melhor Canção de Sempre” com as nossas imagens roubadas da via pública, mas quem servirá de juri?

Debata-se então uma frase de poesia de rua com outra, aliás esta de porta, o que só por si já é muito mais simpático. (Uma porta é sempre aquela coisa que se interpõe entre a revelação e o esconderijo, deixando a curiosidade e o anseio em êxtase quase explosivo. Quantas vezes não esbarramos com portas fechadas, ou não nos atrevermos a abrir portas entreabertas? Ao contrário de uma triste parede, que apesar de lá cumprir estoicamente a sua função, lá está inerte. Mas enfim, não é esse o tema do nosso debate por isso feche-se o parêntesis). Pois bem, os optimistas estão por perto e só por isso algo de bom vai acontecer. Não nos fiemos em sonhos mal-dormidos porque isso não nos leva a lado nenhum. Abra-se o estore, as janelas e as portas para deixar entrar o ar fresco, morno, perfumado ou húmido. Ponha-se o livro na prateleira metálica e faça-se um exercício mental de englobamento. Que palavra tão bonita esta – anda perto do emparelhamento – e ambas muito longe de cadáver . Aqui no Paraíso a vida é magnífica, dizia o actor que após a morte se pôs a comparar as suas várias personalidades. Foi preciso um Sueco pensar nisto?

Enfim, nacionalidades à parte, acho que os mortos ficam sempre com inveja de não terem vivido mais. Quem não chega ao fim da vida com um “quem me dera ter feito mais...”? Parece-me profundamente lógico, pois estamos tão cheios de planos, de ideias, de vontades.

Há dias recebi um postal-convite que numa língua familiar me dizia Amar é Viver. E tem toda a razão, pensei eu depois de ler o texto dos vermes: como podem os mortos amar se efectivamente já não vivem? Seria esotérico demais haver amor para além da morte, pois tanto quanto se sabe essas criaturas fantasmagóricas que surgem post-mortem não têm sentimentos. A não ser claro, que seja num filme do Tim Burton.

Se quisermos também inverter a dita frase: Viver é Amar, mas isso põe a tónica numa outra perspectiva que não me agrada muito. Até parece que se tem de amar sempre e constantemente para se viver. O contrário é puramente verdade: temos de viver para amar e a vida em si – bem vivida – é só por si um sinal de amor. (Caramba, estou inspirado hoje, acho que me vou candidatar a cronista da Revista Maria.)

Voltando à porta: algo de bom vai acontecer, os optimistas estão por perto. O bom aconteceu no preciso momento do nascimento. Que esse momento nem sempre resulta em personalidades optimistas já se sabe – e ainda bem que é assim. Já imaginaram todos andarem por aí com grandes sorrisos e alegrias constantes? Seria um tédio. Como um bom prato de culinária experimentalista, por exemplo: tem de haver um pouco de cada coisa, combinadas de forma harmoniosa e em doses regradas. Não acreditam? Tentem a harmonia perfeita de um estaladiço cone Häagen Dazs com uma bola de Macadamia Nut Brittle e outra de Java Chip, que isso vai de certeza mudar as vossas ideias – ah, já vejo um sorriso guloso aí!

Viva a vida!