domingo, janeiro 06, 2008

Resquício da caminhada

Finalmente, um novo texto, mais alegre e confiante, como há muito mo vinham pedindo. Já se respira um novo ar. Finalmente. E é um texto especial, para uma pessoa especial. Viva a vida!


Lá chegámos, mais uma vez, cansados a casa. Desta vez até algo molhados, pois estava finalmente a chover. Foi mais uma daquelas caminhadas que, mais do que pela actividade física proporcionada, valeu pela conversa que tivemos. Ambos gostamos de caminhar, e acho que ao longo dos anos temos feito disso mais um pequeno ritual secreto de aproximação comum. Sem arrastar os pés, nem pesar figos. É preciso que o sangue nos ferva nas veias, e há que mostrar ritmo na vida, como dizes. Caminhar, sempre em frente e sempre atrás do nariz, pois para trás mija a burra. (Vem-me um sorriso à cara ao pensar nas tuas expressões.)

São tantas as coisas que partilhamos que algumas se perdem no espaço e no tempo. Outras, por tão intensas que foram ou por voltarem sempre à conversa ficam indelevelmente marcadas na nossa mente. A verdade é que com isso aprendemos a crescer e a enfrentar os desafios, angústias, medos e receios. Damos conselhos um ao outro, partilhamos perspectivas, segredos, confissões.

A vida tem-nos posto perante vários desafios naquele caminho que escolhemos. Na verdade são menos os caminhos escolhidos que os desafios encontrados. Digamos que um caminho proposto pode e vai sempre ter vários obstáculos e oportunidades que convém saber contornar ou aproveitar, mas sem nunca nos desviarmos do caminho inicial. Acho que é esse um dos grandes segredos da vida: saber para onde se quer caminhar e escolher o caminho certo. Ou que se pensa ser o certo, porque afinal ninguém é bruxo.

Acho que conseguiste escolher bem o teu caminho e até que te saíste bem com os muitos desafios encontrados. Sempre partilhaste as tuas angústias, sempre nos alertaste para o que aí vinha. Que a vida não era fácil, às vezes dura outras mais risonha, que não podemos nunca fugir das nossas responsabilidades, e que às vezes vale a pena arriscar. Mas que a temos de ter na mão: saber o que se anda a fazer.

Houve alturas em que, na minha fase mais radical do crescer, te julguei pela enorme pressão que isso representava. Pressão social, diz-se nalguns círculos mais eruditos aos quais nem tu nem eu ligamos muito. Hoje, acredito que tudo isso foi e é, no fundo, é muito mais: transmissão de valores de vida. Valores que te são caros e que, em grande parte são já meus também. Reconheço-o agora. Perdoa-me por favor pelo meu mau julgamento.

Também tu já nos disseste o quanto erraste na vida e os recuos que tiveste que fazer. Afinal somos todos humanos. Mas às vezes temos umas expectativas uns dos outros que se calhar não são muito reais. Enfim, nunca paramos de aprender, crescer, evoluir. Oxalá continue assim por muito tempo.

Bom, mas hoje sei o muito que trabalhaste para nos dar o que temos, para nos fazer o que somos. Houve escolhas nossas já, mas que sem o teu apoio (e às vezes também oposição) nunca teriam sido concretizáveis. Mas nada disso se compara ainda pelo que tu passaste. És de uma outra geração claro, tiveste outras experiências, mas não podemos mudar isso agora. E ninguém, nem tu nem eu, queremos fazer voltar o tempo para trás para que nós voltemos a viver o que tu tiveste que viver.

Quem me dera que daqui a alguns anos eu pudesse olhar para trás e estar orgulhoso do que fiz e consegui, dos filhos que tenho, da vida que levei. Acho que tu estás; tenho a certeza até. E olhando bem, podes estar.

Pois bem, estou pronto a escolher um caminho. O meu caminho. É que há luz ao fundo do túnel, já há fumo branco à vista. E já não era sem tempo, dizes tu, que andava a comer cantos de broa há tempo a mais já. Rimo-nos assim.

O meu caminho, pois. Espero que o venhas a aceitar, mais do que propriamente aprovar a escolha que fizer. Sabes que a vida é minha portanto terei sempre de arcar com as escolhas que eu próprio fiz. Honestamente, sinto um arrepio na espinha, medo e vontade ao mesmo tempo de me lançar como um pássaro que voa pela primeira vez. Vamos ver como vai ser, se há rede ou não para me socorrer na queda. A vida é um risco, e eu não gosto muito de arriscar em demasia. Veremos.

Mas sei que um dia não vais estar lá para me socorrer, por isso deixa-me dizer isto: obrigado pai.