sexta-feira, abril 18, 2008

Resquícios do dilema

À custa de estados de espírito desequilibrados e faltas de inspiração recebi um pontapé no traseiro e um texto para publicação em jeito de prenda e consolo. Obrigado, amigo.

(Foto: NunoGuronsan)

“Ali estava ele, mais uma vez sentado naqueles bancos apertados que tão bem conhecia. O olhar perdido, entre o ecrã do laptop e o ecrã do plasma que ia debitando a torrente de notícias quase macdonaldeniana da CNN. Já quase fazia parte da decoração de todos os aeroportos por onde passava. Isso e as lâmpadas brancas, mortas que iluminavam todos os corredores por onde passava milhentas vezes.

Sentiu um aperto na garganta, um de muitos que sentira tantas vezes, e alargou o nó da gravata. Sentia vontade de exercitar as cordas vocais, mas ficava sempre acabrunhado por meter conversa com completos estranhos. Mesmo quando esses estranhos pareciam tão deslocados como ele e ansiosos por dois dedos de conversa. Não conseguia, começava a sentir suores frios e a língua ficava seca. E no entanto...

No entanto, falava consigo mesmo. Na sua cabeça. Tinha diálogos infindáveis com o seu interior. Por vezes parecia que estava mesmo a perder toda a sua sanidade. Ou será que era isso mesmo que ainda a mantinha à tona da superfície? Lá dentro ia conversando com os seus amores, os seus receios, as suas esperanças, as suas angústias. Pensava em tudo isto enquanto à sua volta o silêncio era apenas interrompido por mais um anúncio de mais um voo para mais um destino cujo carimbo já constava do seu passaporte. Sentia a cabeça a latejar, como sempre. O cansaço começava ser demasiado. E depois lá aparecia uma janelinha do messenger.

E era o suficiente. O suficiente para que o seu sorriso voltasse e os seus olhos brilhassem de alegria. Parecia irreal, mas aquela pequenina janela, ou melhor, a presença da mulher do outro lado e as suas palavras a aparecerem na janela, era a sua panaceia, o seu antibiótico, enfim, a sua salvação. E a sua alma ficava transfigurada, imaculada, radiosa como os dias de verão pelos quais ansiava.

Ao lado dela, sem ela nada disso significava o que quer que fosse. E era nessas alturas, em que a distância ficava reduzida a apenas algumas teclas, que gostava de recitar a sua pequenina oração. "Bendita wi-fi, que me trazes a minha amada, neste momentos de angústia e provação. Felizes aqueles que têm a net do seu lado. Agora e sempre, amén e online."

Agradecimentos: NunoGuronsan
E no entanto, tudo não passava de uma ilusão. A distância é real, a intermitência mata.