sexta-feira, junho 06, 2008

Resquícios da alta velocidade

Eis de novo uma divagação a partir de uma coisa vulgar. Uma divagação mortal e mortífera, uma ode ao silêncio atingido na extenuação de mais uma viagem.


Sinto-me como um comboio que anda e anda sem parar, a alta velocidade por montes e vales, por túneis escuros e rectas abertas. Essa intermitência embaceia-me a vista. Já não sei distinguir se a pouca luz que vejo é mesmo ao fundo do túnel ou apenas uma vela que arde à beira dos carris, e que se apaga no momento em que passo. Tirei-lhe o sopro, perdeu vida. (De qualquer forma a sua existência estaria limitada ao tamanho do seu tronco de cera, e não eterna como o sol que ilumina a saída do túnel onde me encontro).

As paragens são curtas, o descanso nenhum. Entram e saem passageiros, abraça-se quem fica, a despedida custa. Quem não está, perde o comboio. Foi-se embora, fui-me embora. Não paro. Esqueci-me do que era descansar, parar no meio e saborear o momento. Esqueci-me do hífen na palavra que estava para dizer e saiu-me uma coisa completamente diferente. Saiu-me uma grande alhada (quando me deveria ter saído Al-Hada, cidade supostamente bonita deste árido país onde estou).

O que posso fazer? O comboio não tem marcha atrás, nem se pode fazer isso na vida real. Aprendo com os erros, mas não posso fazer recuar o tempo. Meti-me em coisas que não devia, que não podia, que não eram sustentáveis. Supus que fosse possível e enganei-me. Sofri e sofro com isso. Recorri ao supremo e não recebi resposta. Recorri a mim e esbarrei contra a parede. Decidi parar; tentar colocar o hífen e pensar um pouco. Repensar. É o que sei fazer melhor para quando avançar, ser mesmo a alta velocidade.

Nunca fui bom em saltar para águas desconhecidas. Mas sei que quando salto, a água é suficientemente profunda para me aguentar sem partir as pernas. No entanto, daquela vez, saltei sem pensar e parti-me todo dada a insustentabilidade da coisa – lógica para quem me conhece melhor que eu.

Hoje tento afastar-me dos fantasmas que me perseguem insistentemente. Se há dias em que me julgo livre deles, noutros aparecem em todas as esquinas e recantos. Assusto-me; não recuo, mas carrego no pedal da velocidade e escolho a fuga em frente. Andar mais. Sempre e sem olhar para trás. Para a frente é que é caminho e não nos podemos atormentar com o passado. (Acho que me repito)

Temos que aprender com os erros, isso sim. E tento fazê-lo com seriedade, pois não há mais tempo a perder. Mas proximamente o comboio precisará de entrar num período de manutenção profunda e rever em que direcção o levarão os carris em que está poisado. No fundo, um D-Check como se diz na gíria da indústria onde trabalho (e que com comboios pouco tem a ver): desmontar todas as peças, inspeccioná-las, substituir as gastas e partidas, aproveitar para embelezar o que se pode aproveitar, recolocar tudo nos sítios e testar a integridade do todo. No fundo, um reboot total – quem me dera que fosse já.

Mas não, o comboio não pára. O comboio já tem os horários de Verão publicados e não pode fazer esperar quem com ele conta. E são tantos. Tantos que se esquece de si. Até cair aos pedaços, exausto e sem força. Onde está o hífen deste maldito teclado?