segunda-feira, agosto 03, 2009

Resquícios da multiplicidade

Foram meses e meses de desespero à espera que o momento surgisse. Era preciso a combinação certa de todos os elementos para que os múltiplos pensamentos soltos fizessem algum sentido quando conjugados e traduzissem matéria palpável em papel virtual. Finalmente, mais um parto. De tão doloroso e demorado, mais pareceu uma peça artística dançada em vários actos.

1º Acto

O dia não prometia estar solarengo nem de céu azul, mas apesar disso tudo parecia estar bem. De tal forma que até o trabalho corria fluidamente. Subitamente um momento. O momento. Click. Qual orgasmo fotográfico em que o obturador se contraiu no momento exacto para resultar em algo excepcionalmente belo e intenso – pelo menos para alguns. Click, e foi o momento da concepção perfeita.

2º Acto

Não é apenas um reflexo, é mesmo uma duplicidade. Vêm-se bem como gémeos no útero materno. Um mais envergonhado que outro, sim, mas estão ambos lá bem visíveis, qual sombra um do outro. Apesar da escuridão à volta, eles iluminam o que os rodeia e concentram em si todo o poder e esperança que o futuro promete. Parabéns a ti que serás mãe e que por isso tanto lutaste.

3º Acto

Cores. Muitas, translúcidas mas vibrantes. Como conjunto criam a ilusão ou até a crença de que na sua raiz está um tesouro. Todos sabemos que a sua raiz não está na terra onde esse tesouro está prometido, mas sim em algo que não se vê e que cientificamente se pode explicar. No entanto, acreditamos à mesma e contamos a lenga-lenga aos mais novos. Ainda assim a terra do tesouro é real e constitui o seu solo mais fértil. Essa terra, é a de onde cada um de nós vem e para cada um volta. (Por querer, dever ou precisar?) Essa terra é por isso mesmo o tesouro mais valioso de cada um de nós, onde nos sentimos bem e sempre em casa. É a que nos dá força e coragem, e que faz sempre falta. Só ela nos permite ver as cores da vida. Aquelas que são vibrantes e que por isso vibram connosco.

4º Acto

Começou o bailado. Uma a uma as gotas bailarinas caiam do céu envoltas numa bruma que as fazia parecer cândidamente envergonhadas. A evitar o impacto, ou até a impulsioná-lo, havia fortes braços de árvores e plantas que faziam de tudo isto um espectáculo artístico de primeira qualidade. Em pano de fundo cada raio de luz electrizada e cada trovão sonoro travavam uma guerra constante, qual banda sonora com efeitos ópticos, para captar para si as atenções dos espectadores já de si maravilhados com o bailado das gotas. Valeu a pena a corrida. Faltava o oboé para dar sentido à imagem; fica a palavra partilhada.

5º Acto

Êxtase, clímax de emoções ao ver que afinal tudo correu como devia, apesar da tempestade emocional e dos abanões normais desse trajecto pelos ares. A populaça respirou de alívio, bateu palmas, exclamou os seus louvores. “Bravo, Bravo” e queria mais daquilo que desgasta tanto. O sol regressou e a normalidade instalou-se. Os gémeos estão a seguir o seu caminho e qualquer dia transformam-se em corpos e almas inseparáveis como se um só fossem. Serão irmãos para sempre, independentemente das distâncias, das palavras ou das terras. Bravo.