sábado, abril 24, 2010

Resquício da espera

Os dias não chegavam para tudo e ainda assim importava ocupar o tempo que sobrava. Simplesmente faltavam as palavras certas.

Como se trata a angústia do tempo?

Quando mais nada se pode fazer, espera-se. Há dias em que a espera é mais fácil que noutros; sendo um dia difícil desespera-se. Precisa-se sempre alguma criatividade, sorte e vontade para encontrar o entretém perfeito. Porque afinal nem todos os dias foram feitos para ler deitado num sofá até que chegue a hora do ir.

Naquele dia, faltavam algumas horas, nada lhe meteu medo: simplesmente saltou para a água, sem saber a profundidade ou as condições da mesma, e deixou-se flutuar. A água fria, não o parecia; o sol quente, não lhe torrava a pele. Aqueles instantes de espera não pareceram horas entediantes, horas que a dias de ausência e descanso equivaleram. Depois do tempo passado, queria mais, mesmo sabendo que a espera tinha chegado ao fim. Foi como uma fatia de tarte bem recheada: aproveitada até à última migalha. Mas o pouco que foi, soube-lhe bem.

Noutro dia, tudo lhe metia medo: porquê ela, porquê elas? Cada vez que o telefone tocava, receava mais uma má notícia. E assim foi. Sentiu-se fraco e inútil perante a situação, incapaz de pensar de uma forma positiva. Porquê ela, porquê elas? Aquilo foi como uma facada gélida a entrar pelos rins. E o tempo parecia parado; morto. Nasce assim o respeito pela vida, a coragem dos que sofrem, dos que lutam pelos seus. Ou deverá isto ser antes uma interrogação?

Outro dia, outro local: novamente o telefone. Novamente uma notícia. No espaço de duas horas passou da vida à morte. Fez-se silêncio. Mais que silêncio, um vazio oco. Não ouvia os seus pensamentos porque deixou de os ter. O coração parou (mais uma vez). Já devia estar preparado. No entanto...no entanto, não o estava. Ttodo o tempo passou demasiado depressa e agora já não havia solução. Lembra-se das gargalhadas que deram em conjunto, dos olhares cúmplices, dos conselhos e avisos. E agora?

Agora a vida continua: o caso anterior demonstrou-o, por muito difícil e duro que seja. Não tens outro remédio: agarra-te ao que tens, aos que tens, ao que sobra dos que partiram, ao que sonhas. E vive o melhor que podes e sabes. Pois, sim... se ao menos fosse assim tão fácil, eu sei.

Ouves o ponteiro do relógio no quarto do vizinho; carros buzinam incessantemente. Irritante momento, odiante local e paisagem. A espera por si só já era sufoco suficiente, quanto mais com banda sonora e cenário deprimente. Mas parece que a vida é assim. Há sempre um lado positivo e um negativo, embora nesse momento maldigas o contexto. Há sempre dilemas por resolver, e no teu caso parece que esses se avolumam com o tempo. O que te falta para os conseguires resolver? Não o sabes; se o soubesses, já os terias resolvido.

Ainda não encontraste a janela que te mostrará o pedaço de céu. É preciso é encontrá-la. É preciso ter coragem para a abrir. É preciso saber ler o que está visível: para viver não um momento de paz, mas uma vida cheia deles. Ele – acho eu – conseguiu-o; elas por seu lado, não tiveram tempo, mas ainda assim souberam quanto foram amadas. E tu? Tu lutas com o teu dilema existencial. A luta continua.

E esperas mais um bocado porque não tens outra alternativa melhor.

segunda-feira, agosto 03, 2009

Resquícios da multiplicidade

Foram meses e meses de desespero à espera que o momento surgisse. Era preciso a combinação certa de todos os elementos para que os múltiplos pensamentos soltos fizessem algum sentido quando conjugados e traduzissem matéria palpável em papel virtual. Finalmente, mais um parto. De tão doloroso e demorado, mais pareceu uma peça artística dançada em vários actos.

1º Acto

O dia não prometia estar solarengo nem de céu azul, mas apesar disso tudo parecia estar bem. De tal forma que até o trabalho corria fluidamente. Subitamente um momento. O momento. Click. Qual orgasmo fotográfico em que o obturador se contraiu no momento exacto para resultar em algo excepcionalmente belo e intenso – pelo menos para alguns. Click, e foi o momento da concepção perfeita.

2º Acto

Não é apenas um reflexo, é mesmo uma duplicidade. Vêm-se bem como gémeos no útero materno. Um mais envergonhado que outro, sim, mas estão ambos lá bem visíveis, qual sombra um do outro. Apesar da escuridão à volta, eles iluminam o que os rodeia e concentram em si todo o poder e esperança que o futuro promete. Parabéns a ti que serás mãe e que por isso tanto lutaste.

3º Acto

Cores. Muitas, translúcidas mas vibrantes. Como conjunto criam a ilusão ou até a crença de que na sua raiz está um tesouro. Todos sabemos que a sua raiz não está na terra onde esse tesouro está prometido, mas sim em algo que não se vê e que cientificamente se pode explicar. No entanto, acreditamos à mesma e contamos a lenga-lenga aos mais novos. Ainda assim a terra do tesouro é real e constitui o seu solo mais fértil. Essa terra, é a de onde cada um de nós vem e para cada um volta. (Por querer, dever ou precisar?) Essa terra é por isso mesmo o tesouro mais valioso de cada um de nós, onde nos sentimos bem e sempre em casa. É a que nos dá força e coragem, e que faz sempre falta. Só ela nos permite ver as cores da vida. Aquelas que são vibrantes e que por isso vibram connosco.

4º Acto

Começou o bailado. Uma a uma as gotas bailarinas caiam do céu envoltas numa bruma que as fazia parecer cândidamente envergonhadas. A evitar o impacto, ou até a impulsioná-lo, havia fortes braços de árvores e plantas que faziam de tudo isto um espectáculo artístico de primeira qualidade. Em pano de fundo cada raio de luz electrizada e cada trovão sonoro travavam uma guerra constante, qual banda sonora com efeitos ópticos, para captar para si as atenções dos espectadores já de si maravilhados com o bailado das gotas. Valeu a pena a corrida. Faltava o oboé para dar sentido à imagem; fica a palavra partilhada.

5º Acto

Êxtase, clímax de emoções ao ver que afinal tudo correu como devia, apesar da tempestade emocional e dos abanões normais desse trajecto pelos ares. A populaça respirou de alívio, bateu palmas, exclamou os seus louvores. “Bravo, Bravo” e queria mais daquilo que desgasta tanto. O sol regressou e a normalidade instalou-se. Os gémeos estão a seguir o seu caminho e qualquer dia transformam-se em corpos e almas inseparáveis como se um só fossem. Serão irmãos para sempre, independentemente das distâncias, das palavras ou das terras. Bravo.

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

Resquícios do debate

Leu isto e pensou: que interessante, há aqui uma curiosa troca de papéis em que o alegre vivaz se tornou soturno, e o crónico pensante se transforma em fonte de optimismo. Haverá algo de delirante no ar para além da chuva infindável? Mas porquê: toda a gota de chuva é apenas e só uma lágrima de cada raio solar (ah, viva a poesia barata!). A escuridão daquele texto tem de ser rebatida por algo mais que palavra solta, talvez um sabre de luz ajude. Que a força esteja connosco!



Falava de vermes, cadáveres e de quão imprestável está o nosso mundo. Um debate cinzento com não-vivos a invadir um espaço que normalmente está repleto de coisa alegre entremeada por rasgos de gargalhada. Será que no seu interior já começou a apodrecer, tal como os corpos putrefactos de que fala, só porque viu uma frase de poesia de rua? Como é possível não gostar de um dia de chuva em que o frio obriga a ficar enrolado no cobertor a ler um jornal, livro ou blogue? Ou até mesmo ficar agarrado ao trabalho, seja ele de que natureza for? Está louco, só pode, louco de amores por um sorriso que o cega e que não lhe permite ver a luz que faz por entre as vidraças molhadas.

Pelo meio parece que ainda há desafios que metem beleza com ranho. Ui, que coisa linda que isto vai dar, já se vê que isto vai degenerar num concurso da melhor frase de poesia de rua do ano. Imitemos o “Festival RTP: Melhor Canção de Sempre” com as nossas imagens roubadas da via pública, mas quem servirá de juri?

Debata-se então uma frase de poesia de rua com outra, aliás esta de porta, o que só por si já é muito mais simpático. (Uma porta é sempre aquela coisa que se interpõe entre a revelação e o esconderijo, deixando a curiosidade e o anseio em êxtase quase explosivo. Quantas vezes não esbarramos com portas fechadas, ou não nos atrevermos a abrir portas entreabertas? Ao contrário de uma triste parede, que apesar de lá cumprir estoicamente a sua função, lá está inerte. Mas enfim, não é esse o tema do nosso debate por isso feche-se o parêntesis). Pois bem, os optimistas estão por perto e só por isso algo de bom vai acontecer. Não nos fiemos em sonhos mal-dormidos porque isso não nos leva a lado nenhum. Abra-se o estore, as janelas e as portas para deixar entrar o ar fresco, morno, perfumado ou húmido. Ponha-se o livro na prateleira metálica e faça-se um exercício mental de englobamento. Que palavra tão bonita esta – anda perto do emparelhamento – e ambas muito longe de cadáver . Aqui no Paraíso a vida é magnífica, dizia o actor que após a morte se pôs a comparar as suas várias personalidades. Foi preciso um Sueco pensar nisto?

Enfim, nacionalidades à parte, acho que os mortos ficam sempre com inveja de não terem vivido mais. Quem não chega ao fim da vida com um “quem me dera ter feito mais...”? Parece-me profundamente lógico, pois estamos tão cheios de planos, de ideias, de vontades.

Há dias recebi um postal-convite que numa língua familiar me dizia Amar é Viver. E tem toda a razão, pensei eu depois de ler o texto dos vermes: como podem os mortos amar se efectivamente já não vivem? Seria esotérico demais haver amor para além da morte, pois tanto quanto se sabe essas criaturas fantasmagóricas que surgem post-mortem não têm sentimentos. A não ser claro, que seja num filme do Tim Burton.

Se quisermos também inverter a dita frase: Viver é Amar, mas isso põe a tónica numa outra perspectiva que não me agrada muito. Até parece que se tem de amar sempre e constantemente para se viver. O contrário é puramente verdade: temos de viver para amar e a vida em si – bem vivida – é só por si um sinal de amor. (Caramba, estou inspirado hoje, acho que me vou candidatar a cronista da Revista Maria.)

Voltando à porta: algo de bom vai acontecer, os optimistas estão por perto. O bom aconteceu no preciso momento do nascimento. Que esse momento nem sempre resulta em personalidades optimistas já se sabe – e ainda bem que é assim. Já imaginaram todos andarem por aí com grandes sorrisos e alegrias constantes? Seria um tédio. Como um bom prato de culinária experimentalista, por exemplo: tem de haver um pouco de cada coisa, combinadas de forma harmoniosa e em doses regradas. Não acreditam? Tentem a harmonia perfeita de um estaladiço cone Häagen Dazs com uma bola de Macadamia Nut Brittle e outra de Java Chip, que isso vai de certeza mudar as vossas ideias – ah, já vejo um sorriso guloso aí!

Viva a vida!

sexta-feira, janeiro 16, 2009

Resquício do acontecimento

Notícia choque: o surreal aconteceu.

Desligou a luz, fechou os olhos e esperou. Saboreava o silêncio que se fazia finalmente, embora um ou outro vizinho teimasse em marrar com a cabeça (ou outra coisa qualquer) numa parede. Fez as contas ao dia, como sempre faz: o que conseguiu despachar, o que faltou fazer, e lançar para o ar notas soltas do que se poderá fazer no dia seguinte. Há como sempre prazos a cumprir pelo que não pode haver derrapagens. O almoço já estava alinhavado da véspera, pelo que era menos uma preocupação a ter. E deu-lhe uma ideia, que lhe pareceu óptima, para mais uma experiência culinária num dia destes em que tiver menos que fazer. Um dia destes.

Virou-se para o outro lado, ainda de olhos fechados. Ouvia o vento a soprar e a chuva a cair frenéticamente. Que dilúvio, pensava, e que escuridão que estava no quarto. A ténue luz verde do stand-by electrónico não chegava para criar sombras. Olhava em sua volta e não via nada do que ali havia, apenas um grande vazio. Um vazio de matéria, de som, de luz, de odores.
Fechou os olhos de novo e forçou-se a não pensar em nada. Não resultou. Pôs-se a contar carneiros a saltar, depois ovelhas, cabras e cabritos. Tudo a saltar e pular de alegria, mas nada. Virou-se de novo já irritado com a situação.

E aconteceu de novo: rebolava-se de um lado para o outro, contava carneiros.

Lembrou-se que há tempos atrás vira uns jornalistas a correr atrás de dois senhores com ar austero e crachás identificativos ao peito. Reconheceu um dos senhores e o crachá do outro. Iam certamente anunciar qualquer coisa de importante, ou talvez não. Fosse o que fosse, os jornalistas lá estavam para reportar o caso em directo, com imagem e som, ou em diferido pelo papel. Quis ignorá-los porque estava mais preocupado com o que o esperava, embora naquele instante nada mais pudesse fazer a não ser continuar sentado no banco gelado e observar o que ali se passava.

Subitamente ouve alguém na sua língua, embora com sotaque, perguntar “Você também vai para Lisboa?”. Por momentos pensou que pudesse eventualmente ser a Ive, uma conhecida desconhecida, mas afinal era apenas um jogador de futebol profissional numa equipa secundária completamente desconhecida. Daí desenrolou-se uma meada de conversa que meteu países, família, futebol, distâncias e o temível medo ou prazer (dependendo do ponto de vista) de se deixar ser voado de lado para lado.

De volta ao presente. Irritado, parou de pensar no que fosse pois apercebeu-se que ainda estava acordado. Decidiu olhar para o relógio. Já tinham passado duas horas e ainda não adormecera. Pela n-ésima vez a acontecer o mesmo, regularmente ou não, detestava não conseguir adormecer. Decidiu levantar-se, dar uma volta pela casa, ligar o televisor, delisgar o televisor, beber água, lavar a cara, dar outra volta e deitar-se de novo. Tudo na mesma. Venha lá mais um carneiro, e mais outro, e outro... perdeu-se nas contas.

Subitamente vê-se, meio zonzo e tremido (tipo beam me up, Scotty), dentro de um tubo metálico a ser projectado a alta velocidade entre continentes. Já o assistira antes, pelo que não se espantou com isso. A náusea era tal que já nem os filmes reciclados e mais que triturados do IFE o animavam naquela viagem. Se ao menos fosse de volta a casa! Mas nem conhecia a origem nem o destino do seu percurso. Só sabia que algo não ia bem e que algo estava para acontecer. Enquanto isso, rebolava em transe, falava em surdina, suava em bica. Viu por fora como está por dentro do engenho que se despenha sem grandes alaridos num terreno no meio da sua povoação. Costumava haver milho ali, pelo Verão. Mas certamente que não era pista de aterragem para nenhum objecto voador ou não. Deviam estar no século XXVI de certeza, numa galáxia longe daqui, pois de outra forma tal não seria possível. Pelo menos numa situação normal, pensava.

Acordou a meio desse tormento, olhou para o relógio e ainda faltavam horas infindáveis para o chamamento da manhã. Virou-se e sentiu-se de novo envolvido pelo drama, pelo horror e pela tragédia. Não queria mais, sabia-o, mas nada podia fazer pois estava em posição inerte e inconsciente. Virava-se, rebolava, esticava-se e encolhia-se no escuro do seu quarto. Nada disso o acalmava e nisso se passaram horas até que o silêncio total o abafou por completo. Foi nesse momento que nasceu a choqueTV cujo repórter importava recrutar.

...

Novamente, os vizinhos com marradas nas paredes. Devem estar a gozar, pensou. Cansado e resignado, lá acordou. Reparou que o relógio já ia nos duplos dígitos da hora e num salto saiu da cama. Que nunca mais haja noites assim, pensava, mas sabia que não era a primeira nem seria a última. Mal sabia do que aí vinha.

Ligou-se ao mundo, abriu-se ao sol que entretanto se pôs. Depois da tempestade vem a bonança, dizem. Com os raios do sol a entrar pelo seu dia ouviu também as primeiras notícias e aí deparou-se com a notícia choque tal qual a tinha sonhado num outro canteiro qualquer. Mas que raio fulminante?

Era o Maradona em Portugal! Que milagre este! Realizou-se a profecia do passado futuro e concretizou-se o que ninguém sonhara possível. Felizmente que passou quase despercebido, apesar da breve não passagem pelo ecrã do Telejornal.

Acalmado pela irrelevância do acontecimento, assombrado pelo sono que o abalava refugiou-se de novo nos lençóis. Desligou a luz, fechou os olho e contou: um carneiro, dois carneiros, três carneiros, um cabrito no forno com batatas assadas???

domingo, outubro 19, 2008

Resquícios do futuro

Olha quem te cumprimenta ao longe: o amigo invisível! Seguiste a tua viagem, sem teres escolhido uma rota certa, e por isso sentias saudades desse teu amigo. Há muito tempo que não o vias, não falavas com ele, não lhe escrevias umas linhas. Decides agir e convida-lo para um café, a meio ele confronta-te contigo mesmo.



O tempo é uma coisa engraçada, pensavas tu em voz alta. Há quem escreva sobre ele, há quem cante. Tu tiveste que fazer um trabalho académico sobre ele. Que tema mais estranho, pensaste na altura, principalmente porque se tratava de um trabalho para Economia Regional e Urbana. Na verdade não era só sobre isso, pois o tema conjugava o tempo com o espaço. Como sempre, criativo como és, inventaste e foste buscar um relógio Swatch gigante para usar como referência o slogan deles na altura: Time is what you make of it.

Passados 10 anos lembraste-te disto de novo, porque ouviste uma música que te catapultou mais de 15 anos para trás e te fez relembrar algumas coisas que se passaram nesse hiato de tempo. Ias numa rua da tua santa terra quando ouviste essa música, alto e bom som das colunas instaladas pela baixa da vila. Revisitaste o que fazias então nessa mesma localidade, as perspectivas e planos que tinhas, os amores que sentias.

Alguns meses depois, num sítio completamente diferente, ouviste outra música e lá tiveste um novo flashback para 10 anos antes. Mesma história, um pingue-pongue de memórias a vir ao de cima: hábitos, paixões, alternativas de futuro. E hoje, depois desses exercícios mentais de revisão histórica, pensas no que foste, no que és, no que queres ser, sabendo que queres manter o essencial da tua existência, dos teus valores, das tuas crenças. E nisso, há sempre altos e baixos; espíritos efusivos e depressivos coexistem em quantidades e intensidades que um ser humano comum não consegue gerir sozinho. Recorre aos que ama, aos que lhe são próximos, às vezes até a desconhecidos. Sei isto, porque eu, teu amigo invisível, sou muitas vezes teu refúgio, dos teus medos, angústias, alegrias. E no entanto, que fazer quando aos poucos cada parede do frágil castelo de cartas que cada um de nós é começa a ruir? Uma a uma, vão-se desvanecendo as ligações e aos poucos, restas só a voar pelo mundo sem saberes o que fazeres da tua existência.

Maradona no seu tempo era o melhor, com a preciosa ajuda da mão de Deus. Caiu, perdeu-se totalmente nos meandros mais obscuros da sua riqueza que de nada lhe valeu a não ser para o desgraçar.

Tens razão, é curioso observar as voltas físicas e mentais que acabam por ser dadas ao longo dos anos. E não há paragem prevista independentemente dos percalços e vicissitudes que há pelo caminho. A vida continua, tem de continuar, independentemente dos desafios, desgostos, derrotas que encontras pelo caminho. E não, a vida não precisa de ser uma tortura constante: alegra-te, pois sabes disso muito bem. Devias talvez começar a fazer o exercício contrário: em vez de pensares para traz, pensa para a frente. Recria o teu castelo, prepara-te para os desafios antes de seres confrontado com eles. E vive: faz do tempo que tens disponível o melhor que podes!

Já tinhas decido seguir em frente, esquecer o que está para trás. Já te sentias livre o suficiente, cantaste e dançaste sem o teu par. E então, porque esperas? Não tenhas medos: avança para o que te vai influenciar os próximos anos. Já analisaste racionalmente todas as opções que tens e as perspectivas que te dão (bem sabendo que nenhuma te traz garantias de nada). Já chega de hesitações e escolhe com a razão e o coração o que te parece mais certeiro. Para essa, define objectivos e prazos. É só isso que tens de fazer, porque demoras tanto tempo a decidir?

Daqui a 10 anos, quando voltares a ouvir certas músicas, vasculhares o baú das fotografias e recordações fazendo o flashback que tantas vezes fizeste até hoje, vais-te rir dos dilemas que tiveste. E não te arrependerás, porque sabes que o que quer que sejas, o que quer que tenhas, é resultado do teu trabalho, das tuas escolhas. E estarás contente.

Vá, inspira-te no melhor de Maradona e chuta a bola para a frente!

segunda-feira, julho 28, 2008

Resquícios do contentamento

Cá está um novo tributo, sem grandes rodeios ou palavreados. Um reflexo da luz que vi, do calor que senti, do azul que bebi. Um agradecimento pela existência de um pilar cada vez mais sólido da minha frágil construção humana.

Olhei para cima e vi as nuvens a dançar, frenéticas e contentes. Tentei identificar as suas formas e cores, pensando que se mexiam ao sabor dos sons que ouviam pela terra. Não conseguia parar de as observar, iluminadas que estavam pelo que se passava ali em baixo na noite quente e escura. E eu estava lá, finalmente, desta vez por baixo das nuvens e em solo firme não por cima delas como tem sido habitual. Estava com um sorriso largo, silencioso, de quem está a gostar de ouvir o que ouve, de sentir o que sente, de quem está contente por finalmente poder cumprir um desejo e uma promessa. Dancei com elas, cantei com elas. Mais importante, libertei-me de mim e deixei-me ir ao som por vezes melancólico e calmo, por vezes cheio de alegria e ritmo.

Apercebi-me que estava livre: não havia sombras, túneis ou obstáculos a meterem-me medo, a velocidade era nula, as baterias estavam a carregar. Pelo menos ali e por aqueles momentos, estava livre. De novo e felizmente, pois momentos destes têm-se repetido um pouco ao longo de quilómetros e quilómetros percorridos em paz e alegria.

Eis a luz. Vi-a de dia, e estranhamente ela não se escondeu pela noite. Ela baralhou-me e trocou-me todas as voltas. Não dormia, não pensava, sentia apenas parte. Percorri estradas que não eram dignas desse nome. Lutei com águas rebeldes ao mesmo tempo que via a paz no alto mar com seus serenos habitantes. Subi a montes gélidos e desci às profundezas do fogo apagado. E no entanto as muralhas centenárias da fortaleza defenderam-me bem antes da minha existência. Porque não o haveriam elas de continuar a fazer? Muito me revelaram elas, sólidas rochas no seio das águas frias, quentes pedras aquecidas pelo sol de todo o dia.

Virei o disco, aliás troquei o disco. Faço o esforço para abandonar o registo monótono, monocórdico, triste, pior que tudo cinzento e sério. Não que tivesse nascido de novo, nada disso pois não acredito muito em coisas transcendentais. Mas acho que a mudança por muito pequena que seja exige esforço e trabalho, sacrifício e alguma dor. Sofri-a e aprendi a lição. Venha um novo capítulo, ou até um novo livro, pois o anterior está definitivamente encerrado.

Foi dia de Reis, e que haja mais assim. Obrigado Amigo.

sexta-feira, junho 06, 2008

Resquícios da alta velocidade

Eis de novo uma divagação a partir de uma coisa vulgar. Uma divagação mortal e mortífera, uma ode ao silêncio atingido na extenuação de mais uma viagem.


Sinto-me como um comboio que anda e anda sem parar, a alta velocidade por montes e vales, por túneis escuros e rectas abertas. Essa intermitência embaceia-me a vista. Já não sei distinguir se a pouca luz que vejo é mesmo ao fundo do túnel ou apenas uma vela que arde à beira dos carris, e que se apaga no momento em que passo. Tirei-lhe o sopro, perdeu vida. (De qualquer forma a sua existência estaria limitada ao tamanho do seu tronco de cera, e não eterna como o sol que ilumina a saída do túnel onde me encontro).

As paragens são curtas, o descanso nenhum. Entram e saem passageiros, abraça-se quem fica, a despedida custa. Quem não está, perde o comboio. Foi-se embora, fui-me embora. Não paro. Esqueci-me do que era descansar, parar no meio e saborear o momento. Esqueci-me do hífen na palavra que estava para dizer e saiu-me uma coisa completamente diferente. Saiu-me uma grande alhada (quando me deveria ter saído Al-Hada, cidade supostamente bonita deste árido país onde estou).

O que posso fazer? O comboio não tem marcha atrás, nem se pode fazer isso na vida real. Aprendo com os erros, mas não posso fazer recuar o tempo. Meti-me em coisas que não devia, que não podia, que não eram sustentáveis. Supus que fosse possível e enganei-me. Sofri e sofro com isso. Recorri ao supremo e não recebi resposta. Recorri a mim e esbarrei contra a parede. Decidi parar; tentar colocar o hífen e pensar um pouco. Repensar. É o que sei fazer melhor para quando avançar, ser mesmo a alta velocidade.

Nunca fui bom em saltar para águas desconhecidas. Mas sei que quando salto, a água é suficientemente profunda para me aguentar sem partir as pernas. No entanto, daquela vez, saltei sem pensar e parti-me todo dada a insustentabilidade da coisa – lógica para quem me conhece melhor que eu.

Hoje tento afastar-me dos fantasmas que me perseguem insistentemente. Se há dias em que me julgo livre deles, noutros aparecem em todas as esquinas e recantos. Assusto-me; não recuo, mas carrego no pedal da velocidade e escolho a fuga em frente. Andar mais. Sempre e sem olhar para trás. Para a frente é que é caminho e não nos podemos atormentar com o passado. (Acho que me repito)

Temos que aprender com os erros, isso sim. E tento fazê-lo com seriedade, pois não há mais tempo a perder. Mas proximamente o comboio precisará de entrar num período de manutenção profunda e rever em que direcção o levarão os carris em que está poisado. No fundo, um D-Check como se diz na gíria da indústria onde trabalho (e que com comboios pouco tem a ver): desmontar todas as peças, inspeccioná-las, substituir as gastas e partidas, aproveitar para embelezar o que se pode aproveitar, recolocar tudo nos sítios e testar a integridade do todo. No fundo, um reboot total – quem me dera que fosse já.

Mas não, o comboio não pára. O comboio já tem os horários de Verão publicados e não pode fazer esperar quem com ele conta. E são tantos. Tantos que se esquece de si. Até cair aos pedaços, exausto e sem força. Onde está o hífen deste maldito teclado?